Por Augusto Buonicore
Buonicore aborda os 80 anos da candidatura, à presidência da República, do comunista Minervino de Oliveira
Minervino, de gravata borboleta, ao lado de Octávio Brandão em comício do BOC
Há 80 anos um candidato operário e negro foi lançado à presidência da República pelo Bloco Operário Camponês (BOC), sigla que encobria a atuação eleitoral do Partido Comunista do Brasil. Os resultados eleitorais não foram positivos; mas, sem dúvida, o fato tem um valor simbólico para esquerda de nosso país. Afinal, foi a primeira vez que os comunistas brasileiros disputaram cargos majoritários. O nome do candidato era Minervino de Oliveira.
Minervino nasceu no Rio de Janeiro em 1891, três anos após a abolição da escravidão. Aos dez anos já trabalhava em fábricas como aprendiz de tecelão. Logo em seguida, se iniciou no ofício de marmorista, passando atuar no movimento sindical carioca. Rapidamente, transformou-se numa importante liderança sindical e ingressou no PC do Brasil.
No primeiro de Maio de 1924, Minervino discursou em nome do Centro dos Operários Marmoristas. Este, por sinal, foi o primeiro comício no qual falou, oficialmente, um representante do recém fundado Partido Comunista. Esta honra coube a Paulo de Lacerda.
O prestígio de Minervino entre os operários era tão grande que, em 1928, o Bloco Operário e Camponês (BOC) decidiu indicá-lo para concorrer a uma das vagas de intendente (vereador) no município Rio de Janeiro. Seu companheiro de chapa foi Octavio Brandão, importante dirigente nacional do PC do Brasil. A eleição era distrital e cada um concorreria por um dos distritos da capital.
Os dois arregaçaram as mangas a partiram para campanha. Realizaram dezenas de comícios em bairros populares e nas portas das fábricas. A polícia acompanhou cada passo dado por eles. No dia 27 de setembro, por exemplo, um comício na porta do Arsenal da Marinha foi dissolvido à bala. Escreveu Octavio Brandão: “O Arsenal era considerado praça de guerra. Mas, os dois candidatos não respeitaram a proibição e, em setembro de 1928, fizeram um grande comício junto ao portão. Foram presos. Os operários ofereceram resistência. A polícia atirou. Raimundo de Morais, trabalhador do Arsenal, teve o cérebro atravessado por uma bala e caiu morto, fulminado”.
As regras eleitorais daquela época permitiam que os eleitores dessem até oito votos para o candidato escolhido. Apuradas as urnas, constatou-se a eleição de Octavio Brandão pelo Primeiro Distrito. Ele obteve 7.638 votos – ou seja, pelo menos 995 eleitores votaram no seu nome. Minervino de Oliveira, pelo Segundo Distrito, conseguiu 8.160 votos (1.020 eleitores), mas ficou em 13º lugar. Havia apenas 12 vagas em jogo.
A diferença em relação ao último colocado da lista do distrito foi de apenas 197 votos, menos de 25 pessoas. Surgiu, então, um problema jurídico. Carreiro de Oliveira, colocado logo à frente, teve 745 votos em separado (sub judice) e Minervino, somente 31. Uma apuração um pouco mais rigorosa daria vitória para o comunista. Seria a mesa diretora da câmara municipal que deveria decidir o caso. Portanto, as chances de um operário, comunista e negro ser escolhido eram bastante reduzidas.
Contudo, um fato inusitado mudaria a situação. Antes da posse, um dos intendentes eleitos morreu num acidente aéreo. A vítima fazia parte de comitiva oficial que recepcionaria Santos Dummont quando este regressava triunfal ao país. A tragédia, que comoveu o país, abriu as portas do poder legislativo para um segundo intendente comunista. Um fato histórico.
O jornal “A Classe Operária”, órgão do Partido Comunista, afirmou exultante: “Vitória! Vitória! Pela primeira vez na história do Brasil, após 428 anos de luta, os trabalhadores abrem uma brecha nas formidáveis muralhas do legislativo e penetram na cidadela inimiga para iniciar uma política de classe independente”. No juramento de posse que afirmava “Prometo manter, cumprir com lealdade e fazer respeitar a Constituição Federal, a Lei Orgânica do Distrito Federal e as leis emanadas do Conselho Municipal”, Brandão e Minervino acrescentaram: “porém, submetemos essas disposições aos interesses do operariado”.
A composição da câmara de vereadores era conservadora, embora existissem no seu interior elementos democráticos. A inexperiência política e certo sectarismo levaram com que os comunistas não procurassem aliados e o estabelecimento de acordos políticos com os parlamentares mais progressistas, como Maurício de Lacerda. Isto conduziu a um gradual isolamento que lhe seria fatal.
No final de 1929 foi aprovada uma moção proibindo a propaganda comunista através da tribuna parlamentar. Escreveu Octavio Brandão: “Os discursos dos dois comunistas não foram mais publicados. Pela primeira vez, depois de um século de existência a Câmara Municipal, seu órgão oficial deixou de publicar os discursos pronunciados por dois intendentes. E assim continuou, apesar de nossos protestos, durante o ano de 1930, até que o Conselho foi fechado em conseqüência do golpe armado de Getúlio Vargas”.
Os vereadores comunistas mantinham uma presença constante nas portas das fábricas e nas lutas travadas pela classe operária. Por isso, Minervino seria escolhido para presidir a mesa do Congresso Operário Nacional, realizado em abril de 1929, e que fundaria a Confederação Geral dos Trabalhadores do Brasil (CGTB). No final do conclave acabou sendo eleito secretário-geral da nova central sindical, a primeira dirigida pelos comunistas.
Sendo os únicos parlamentares do Partido Comunista era lhes exigido muito. Recebiam três contos e ficavam com apenas 600 mil reis, valor um pouco acima de um salário operário. O restante era repassado ao partido. Inaugurava-se, assim, uma nova prática política em nosso país.
O ano de 1930 seria de eleição presidencial. Surgiram duas fortes candidaturas, representando interesses diferentes no interior das próprias classes dominantes. De um lado, Getúlio Vargas, candidato da Aliança Liberal. De outro, Júlio Prestes, candidato das oligarquias tradicionais, vinculadas a São Paulo. Os comunistas procuravam construir uma alternativa a essa polarização.
A direção comunista, movida por uma política de frente única com os tenentes, procurou Prestes no exílio e lhe ofereceu a legenda do BOC para que ele concorresse à presidência da República. Entretanto, o “Cavaleiro da Esperança” não concordou com proposta apresentada. Ainda não havia acordo quanto ao programa a ser defendido por uma aliança como essa.
Diante do fracasso das negociações, o PC do Brasil decidiu lançar candidatos próprios ao pleito nacional. Uma campanha presidencial de caráter nacional exigia que fosse dada uma outra dimensão ao BOC. Para isso foi convocado o seu primeiro congresso, que se realizou no Rio de Janeiro.
O Conselho Municipal recusou ceder a sede para a realização do evento. Segundo Brandão, “outras tentativas (de conseguir um local) fracassaram. Quem dispunha de um salão, recusava alugá-lo por causa da violência da polícia”. Mas, o BOC “não recuou diante dos obstáculos. Realizou seu congresso clandestinamente, à noite, numa rigorosa vigilância, num casebre perdido entre a estação de Campo Grande e Guaratiba”.
O Congresso clandestino, realizado entre os dias 3 e 5 de novembro, aprovou as candidaturas de Minervino de Oliveira à presidência e do ferroviário Gastão Valentim Antunes à vice-presidência da República. O slogan da campanha seria: “Votar no BOC é votar pela Revolução!”.
Foram escolhidos candidatos ao senado por vários estados. O estivador Phenelon José Ribeiro Martins foi indicado para disputar uma vaga no antigo Distrito Federal; o comerciário José Francisco da Silva no Rio de Janeiro e o gráfico Everardo Dias em São Paulo. Lançaram-se candidatos a deputados federais por todos esses estados e mais Pernambuco e Rio Grande do Sul.
Do programa eleitoral aprovado no congresso constava: o reconhecimento da URSS, anistia, autonomia do Distrito Federal, jornada de trabalho de 44 horas semanais, voto secreto, direito ao voto para as mulheres e os analfabetos, redução do limite de idade para votar de 21 para 18 anos.
O documento final, analisando as candidaturas que se apresentavam, afirmou: “O candidato Júlio Prestes é um instrumento da classe capitalista em geral e dos grandes fazendeiros em particular. Sua política é do Partido Republicano e do imperialismo inglês. Candidato da mão direita da burguesia (...). O candidato Getúlio Vargas é um instrumento da classe capitalista e do imperialismo norte-americano. Candidato fascista a fingir-se de mão esquerda da burguesia. Liberal na aparência e reacionário na substância”. Nas avaliações políticas já era nítida a influência da política esquerdista que vinha sendo implementada pela Internacional Comunista desde 1929.
Uma sessão pública de encerramento do congresso foi programada para 6 de novembro na casa de Octavio Brandão. No dia anunciado, um forte esquema policial cercou a rua e impediu que o ato se realizasse. Mais de 80 trabalhadores foram presos no local. Má informada, a polícia pensou que, com sua ação, tinha impedindo a realização do próprio congresso.
Os comunistas não desistiram de fazer um anúncio público dos nomes de seus candidatos. No dia 7 de novembro – aniversário da revolução russa – o BOC do Brasil (novo nome da organização) realizou um comício na escadaria do Teatro Municipal do Rio de Janeiro. Os trabalhadores presentes receberam com aplausos os nomes apresentados pelo próprio Minervino. Ao perceber seu engano, sentindo-se tapeada, a polícia investiu furiosa contra a manifestação. Novamente, seguiu-se um tiroteio. Dezenas de trabalhadores foram presos e alguns ficaram feridos à bala. Esta foi apenas uma pequena amostra do que seria a campanha eleitoral dos comunistas em 1930.
As sedes do BOCB passaram a ser constantemente invadidas e depredadas. Os operários que lá se encontravam eram presos e os materiais de propaganda apreendidos. Foi estabelecido um clima de terror que afastava os simpatizantes e possíveis eleitores. Os próprios candidatos eram constantemente presos e humilhados
Nem o presidenciável escapava dessas ações policiais. Minervino foi preso várias vezes durante a campanha. Uma delas foi quando dirigia os trabalhos de um congresso de trabalhadores rurais, realizado na cidade de Ribeirão Preto. Preciosos dias de campanha foram perdidos nos cárceres da Velha República.
Este quadro repressivo foi complementado pelas fraudes deslavadas, ocorridas durante a votação e apuração. As oligarquias regionais fraudavam as atas eleitorais e simplesmente eliminavam os votos dados aos comunistas, passando-os para seus candidatos favoritos. Por outro lado, os comunistas ficaram espremidos entre as duas poderosas candidaturas: de Júlio Prestes e Getúlio Vargas.
No final do processo, a comissão apuradora anunciou a votação recebida por Minervino de Oliveira: apenas 720 votos. No Rio Grande do Sul, terra do candidato da Aliança Liberal, os comunistas não tiveram nenhum voto. Em São Paulo, terra do candidato situacionista, eles tiveram 28 míseros votos. No ano anterior, os candidatos do BOC haviam conseguido 1.922 votos apenas no Distrito Federal. Isso nos dá a dimensão da fraude que se abateu sobre os eles.
A "política dos governadores", em grande parte, ainda vigia e dava seus resultados. Dezessete governadores de estado apoiaram Júlio Prestes e apenas três Vargas. Por isso, o primeiro obteve 1.027.000 votos e o segundo 809.307. Esta foi a eleição mais disputada da República Velha. A fraude campeou dos dois lados, mas o PRP tinha em suas mãos uma maior máquina de corrupção eleitoral.
A Revolução de 1930, ocorrida em outubro, determinou o fechamento das casas legislativas e a cassação de todos os mandatos. Poucos dias depois, Minervino foi preso na Casa de Detenção, ficando ao lado do seu companheiro Octavio Brandão. Quando os homens do antigo regime foram soltos, os dois ex-intendentes comunistas continuaram presos e passaram a ser os únicos presos políticos naquela prisão. Minervino foi mandado para temida Colônia Correcional de Dois Rios, na Ilha Grande, sendo libertado em 7 de fevereiro de 1931.
Depois deste período, muito pouco se sabe sobre a vida desse valente militante comunista. Temos informações que ele viveu até o início dos anos 1960, chegando a participar dos acalorados debates que se seguiram à publicação dos informes de Krushov apresentados no XX Congresso do Partido Comunista da União Soviética, ocorrido em 1956. Esse acontecimento iniciou uma crise que cindiu o movimento comunista brasileiro e internacional.
Seja como for, o nome de Minervino ficara gravado para sempre na história do comunismo brasileiro, como líder operário, primeiro vereador comunista e candidato operário à presidência da República.
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